Ensaio de Antropologia Teológica
Introdução
O homem é o ser mais complexo, e sua
singularidade é notável diante de todas as outras criaturas existentes ao seu
redor. A ciência se encarrega de estudar a natureza, em buscar categorizar
todos os fatos, porém quando falamos do homem o problema logo se apresenta, uma
vez que precisamos de uma definição universalmente válida.
Assim, as ciências humanas sem
dispensar o uso objetivo de instrumentos para mensurar o homem, não pode fazê-lo
totalmente, pois tal instrumento “objetivo” é limitado na intenção de
compreender a natureza humana. Daí, ser
necessário o subjetivo, a interpretação a analise de componentes que são
invisíveis aos olhos, por isso se faz necessário analisar a alma e o espírito
do ser humano.
A antropologia tem como finalidade
compreender o ser humano, estudá-lo, analisar seu comportamento, seu
relacionamento consigo e com o mundo externo. Tal empreendimento seria por
demais dificultoso e desafiador, porém quando falamos de uma antropologia
teológica a tarefa se intensifica ainda mais.
Não bastasse todo o aspecto já
mencionado, ainda se acrescenta um outro grau de dificuldade, o de fazer todo
esse empreendimento sob uma perspectiva cristã. E o que isso significa? Que
toda pesquisa, fundamentação, argumentação e conclusão precisam respeitar os
pressupostos cristãos, é reconhecer que para além de toda análise que se possa
adquirir por meio da ciência é indispensável conscientizar-se que existe um
ponto que somente o Evangelho pode discernir no homem.
Estudar o homem dessa perspectiva é
fundamental para uma compreensão adequada do próprio homem com tal e do mundo a
sua volta.
1.
Biológica
O
ser humano é uma composição complexa, e como tal apresenta uma “tríade” que o constitui.
Uma delas é sua biologia, que compreende todo sua estrutura material que nada
mais é do que sua forma de se relacionar com o mundo exterior, tal estrutura é
chamada corpo, que compõe “tudo” o que é físico.
Dentro
de uma perspectiva cristã, temos na afirmação da antropologia teológica[1]
que Deus é aquele que formou o corpo do ser humano “Formou o Senhor Deus o homem do pó da terra”[2] , com isso podemos afirma que
Deus conhece profundamente sua criação, Davi ao relatar esse conhecimento diz:
“pois ele conhece a nossa estrutura e se
lembra que somos pó”[3],
dessa forma se concluí que o homem não é apenas uma produção biológica
espontânea, mas que sua constituição foi estabelecida pelo Criador.
2. Cristianismo e Corpo
O
Cristianismo valoriza o corpo, pois a não valorização do corpo se torna o não
reconhecimento de quem o fez, a implicação desse axioma no aspecto social é que
o homem deve buscar cuidar do corpo como gratidão ao Criador, e quando se
possui tal cuidado temos todos os benefícios apropriados como: higiene pessoal,
trajes adequados e saúde, o que torna a vida do homem melhor lhe trazendo
longevidade.
2.1. Corpo e o trabalho
A
sociedade é sem dúvida alguma filha do capitalismo, e como tal prioriza o bem,
o consumo, e principalmente o capital. Com isto, seu olhar é sempre de
desconfiança para o cristianismo, como se o tal mantivesse um discurso
completamente desvinculado do mundo, da realidade e necessidade do trabalho.
No Antigo Testamento, o fundamento
da cultura judaico-cristã contém em seu primeiro livro (Gênesis) algumas referências
sobre a questão: “O Senhor Deus tomou o
homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar” [4],
nesse trecho a narrativa informa que Deus cria um ambiente para que o homem
pudesse viver e o coloca como responsável pela manutenção, como também
responsável por retirar seu próprio sustento dele: “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque
dela foste tomando[5][...]”; assim o trabalho é estabelecido
como meio normativo para a sobrevivência do homem, e o mesmo deve manter uma
relação responsável com a terra.
2.2. Corpo e a morte
A
morte não faz parte do plano original para o homem, Deus ao criar o homem
deseja que o mesmo permanece no jardim
eternamente desfrutando de sua presença. O homem foi criado originalmente bom[6],
porém com resultado de sua desobediência a ordem do Criador a mesma é resultado
da queda, conforme se nota em Gênesis:
E
ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim comerás
livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque,
no dia em que dela comeres, certamente morrerás. [...] E, vendo a mulher que aquela
árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para
dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele
comeu com ela[7]
O resultado mais trágico que o
pecado da desobediência trouxe ao homem foi a morte[8],
e está morte não foi simplesmente física, mas também uma morte espiritual que
foi transmitida a toda raça humana.
No
Novo Testamento Paulo trabalha as implicações dessa morte sobre a raça por meio
de Adão: “Pelo que, como por um homem
entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, por isso que todos pecaram[9][...]Pois assim como por uma só ofensa veio
o juízo sobre todos os homens para condenação[10][...]”, a morte física/espiritual passou
a toda raça humana por causa da transgressão de Adão. O corpo passa agora
experimentar limitações, doenças, dor, cansaço e morte como símbolo máximo de
sua fraqueza.
2.3. Corpo e ressurreição
Doutrina
da ressurreição é de suma importância para o cristianismo, pois como o pecado
afetou diretamente o corpo trazendo morte. Por está razão Deus providenciou uma
de restaurá-lo e o próprio Jesus por diversas vezes transmitiu esse ensino[11].
No cristianismo o corpo deve ser
cuidado não só no que tange os aspectos físicos temporários como: ginástica,
boa alimentação e estética. Sem dúvida são aspectos importantíssimos para o bem
estar de qualquer pessoa, porém as Escrituras ensinam que o corpo tem valor na
dimensão espiritual, Paulo diz que o corpo é habitação, santuário de Deus[12]
.
3.
Psíquica
Ponto
pacífico em todos os campos das ciências humanas é o reconhecimento que o ser
humano possui uma alma. Agora, o que significa dizer que o homem tem uma alma?
Qual relevância para sua compreensão?
Vejamos
a declaração de Hodge sobre a alma:
A
alma , portanto, não é mera série de atos; nem é uma forma da vida de Deus; nem
é mera força destituída de substância, mas uma substância real. Uma
não-existência é nada, e nada não tem poder nem produz efeitos. Alma do homem é
, portanto, uma essência ou entidade ou substância, o sujeito permanente de
seus variados estados e exercícios.(HODGE, 2001, p. 515)
A
alma constitui a parte imaterial do homem, sua substância. No Gênesis segue o
relato da existência da alma: “Formou o
Senhor Deus o homem do pó da terra, e sopro-lhe nas narinas o fôlego de vida, e
o homem tornou-se alma vivente”[13],
o texto parece demonstrar que a alma seria o encontro entre o corpo e esse
“fôlego de vida”, passando a existir como ente do mundo.
A
BPE[14]
nos oferece a seguinte explicação sobre o termo alma:
A
alma (hb. Nepheesh; gr psyche), frequentemente traduzida por “vida”, pode ser
definida, de modo resumido, como os aspectos imateriais da mente, das emoções e
da vontade,no ser humano, resultantes da união entre espírito e corpo. A alma,
juntamente com o espírito humano, continuará a existir após a morte física da
pessoa. A alma está tão ligada à natureza imaterial do ser humano, que às
vezes, o termo “alma” é usado como sinônimo de “pessoa” (e.p. Lv 4:2;7:20;Js
20:3).
Podemos
dizer que a constituição humana possui duas substâncias, a primeira material
que conhecemos como corpo, e a segunda alma que é imaterial e espiritual, são
substâncias distintas, porém harmoniosas, o homem jamais poderia existir
contendo somente um corpo sem uma alma, como também possuindo uma alma sem o
corpo, tanto um quando o outro é indispensável para sua existência. É na alma (psiquê) que se compõe o caráter
social, emocional, moral e religioso de todos os indivíduos.
4. Espiritual
O
espírito é a parte imaterial do homem que estabelece sua relação consigo[15]
e principalmente com Deus. A palavra Neo-Testamentária para espírito é pneuma traduzida comumente como vento,
isso nos remete a uma ligação com Gênesis que diz que o Senhor soprou nas
narinas do homem: “E formou o Senhor Deus
o homem do pó da terra e soprou [16] em seus narizes o fôlego [17] de
vida; e o homem foi feito alma vivente.”, é justamente esse sopro Divino,
essa vida que saí do próprio Criador que estabelece o elo com a criatura, que
permite que a criatura retorne ao seu Criador.
É por meio do espírito que a
consciência é capaz de se manifestar, a consciência também é parte imaterial do
homem, e intrinsecamente ligada ao espírito, somente por meio do espírito é que
o ser humano pode ter conhecimento de si (consciência interna) e conhecimento
do mundo a sua volta e finalmente de Deus (consciência transcendente)
Conclusão
Neste presente trabalho ficou
demonstrado o grau de complexidade do ser humano, e como a ciência da
antropologia teológica tem seu desafio lançado na busca de compreensão da
natureza essencial do homem.
Hoje por causa da pluralidade de
conhecimento é possível um desvio no entendimento do que é o homem. Tal desvio
tem como sua consequência imediata uma solução parcial, senão, enganosa para a
sua melhoria.
Uma observação dessa magnitude só
aponta para direção de que qualquer ciência que busque conhecer essa criatura
chamada homem, terá como tarefa infindável o dever de sempre olhar para todas
as perspectivas, sempre considerar novas objeções, sempre se dar por
insatisfeita em sua busca.
Bibliografia
STAMPS, Donald
C, Bíblia de Estudo Pentecostal, Rio de Janeiro, ed CPAD, 1995.
HODGE, Charles,
Teologia Sistemática, São Paulo, ed Hagnos, 2001.
THIESSEN, Henry
Clarence, Palestras em
Teologia Sistemática, ed Imprensa Batista Regular, 1987.
[1] Partindo do pressuposto que tal antropologia
teológica aceite as Escrituras Sagradas como seu ponto de partida, como objeto
científico de pesquisa, bem como sua base fundamental para suas conclusões, não
rejeitando de forma alguma toda ciência com tal, mas, quando se faz necessário
readequar não as Escrituras, e sim sua forma de interpretá-la.
[2] Gn 2:7;5:2,3:19;18:27;Dt 4:32;Jó
10:9,334;34:15;Sl103:14; Ec 12:7
[3] Sl 103:14;
[4] Gn 2:15
[5] Gn 3:19
[6] Ec 7:29
[7] Gn 2:1617,3:6
[8] Gn 3:19
[9] Rm 5:12
[11] Jo 5:28; 6:39,40,44,54, Lc 14:13,14
[12] 2Co 5: 1
[13] Gn 2:7. É
necessário admitir que interpretação desse trecho “[...] fôlego de vida, e o homem tornou-se alma vivente” é um tanto
complexo, já que “fôlego de vida” e “alma vivente” parece apresentar uma
redundância. Disso dois grupos de exegetas surgiram: Os que acreditam que o
homem seja corpo/alma (conhecidos como dicotomistas), dessa forma espírito
seria apenas um substantivo para a parte imaterial. O segundo grupo atribui ao
homem uma tríplice constituição composta por: corpo/alma/espírito. Este acredita
que a alma e o espírito não podem ser considerados sinônimos, mesmo
estabelecendo a parte imaterial possuem características distintas. Para
conhecimento desta questão cf: HODGE, Charles, Teologia Sistemática, São Paulo,
Hagnos , 2001, pp.517-22; THIESSEN, Henry Clarence. Palestras em Teologia Sistemática,
São Paulo, Imprensa Batista Regular, pp. 156-7.
[14]
Bíblia de Estudo Pentecostal, ed CPAD, 1995, p. 979
[15]
Podemos dizer que a consciência reside no espírito do homem.
[16]
Grifo do nosso.
[17]
Grifo do nosso.
Douglas, paz!
ResponderExcluirExcelente abordagem. Parabéns.
Só um detalhe: sou tricotomista. :-)
Abraços!
Fica tranquilo, eu também....:-)
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