*William Lane Craig
E quanto à temporalidade divina? Permitam-me partilhar com vocês
dois argumentos favoráveis à temporalidade divina. O primeiro é o argumento
baseado no relacionamento causal de Deus com o mundo. Para entendê-lo, é
preciso antes compreender a diferença entre mudança intrínseca e extrínseca. Algo muda intrinsecamente se uma de suas
propriedades, isolada do relacionamento com qualquer outra coisa, mudar. Por
exemplo, uma maçã durante a maturação muda de verde para vermelho. Essa é uma
mudança intrínseca à maçã. Algo muda extrinsecamente se mudar nas suas relações
com algo mais. Por exemplo, eu já fui mais alto do que meu filho John, agora
sou mais baixo do que ele, não por causa de alguma mudança intrínseca em mim,
mas em razão de uma mudança intrínseca nele. Ele ficou mais alto. Eu fiquei
mais baixo do que John sofrendo uma mudança extrínseca. Com relação à minha
altura, permaneci intrinsecamente imutável, mas sofri uma mudança extrínseca
com relação a John, já que agora, devido ao crescimento dele, eu estou numa
nova relação, qual seja, menor do que, uma vez que antes eu tinha uma relação
diferente com meu filho John, maior do que. Assim, pois, sofri uma mudança
relacional ou extrínseca.
Ora,
para que algo seja temporal, não precisa estar mudando intrinsecamente. Tudo o
que precisa é sofrer uma mudança extrínseca nas suas relações. Por exemplo,
vamos imaginar uma rocha existindo no espaço exterior, congelada em zero
absoluto. (Sei que isso é fisicamente impossível, mas é apenas um experimento
mental). Imaginemos que essa rocha está congelada em zero absoluto; portanto, é
absolutamente imutável intrinsecamente. Tal rocha seria atemporal? Bem, é claro
que penso que não, pois ela poderia se modificar extrinsecamente nas suas
relações com as coisas em torno de si. Um meteoro passa sibilando por ela —
pouco depois, passa outro — e, mais tarde, mais um. Ainda que a rocha seja
intrinsecamente imutável, ela conserva óbvias relações temporais com esses
eventos sucessivos. Portanto, a mudança meramente extrínseca é suficiente para
a existência temporal.
Agora,
Deus, como criador do universo, está causalmente relacionado com o mundo. Ele
traz o mundo à existência. E a questão é: seria Deus temporal, em virtude de
seus relacionamentos mutáveis com o universo temporal? Façamos um experimento
mental.
Imaginemos uma vez mais Deus existindo sozinho,
sem o mundo, sem a criação. Em tal estado, Deus ou é temporal ou é atemporal.
Se ele for temporal, então o caso está resolvido. Deus existe no tempo. Então,
vamos supor que ele seja atemporal. Além disso, vamos supor agora que Deus
decide criar o mundo e assim ele traz o universo à existência. Agora, ao fazer
isso, Deus continua atemporal ou, ao contrário, torna-se temporal em virtude do
seu novo relacionamento com o mundo mutável. Se Deus passa a ser temporal,
então ele claramente existe no tempo. Então, Deus poderia continuar atemporal
ao criar o universo? Bem, acho que não. Por quê? Porque, ao criar o universo,
Deus sofre no mínimo uma mudança extrínseca — uma mudança relacional. No
instante da criação, ele entra numa nova relação, na qual ele antes não estava
porque não havia “antes”. É o primeiro instante do tempo. E, no primeiro
instante do tempo, Deus entra na nova relação de sustentar
o universo ou, pelo
menos, de coexistir com o universo, relação na qual ele não
estava antes. Assim, em virtude dessa mudança relacional extrínseca, Deus seria
trazido para dentro do tempo no momento da criação.
Pensadores como Tomás de Aquino tentaram se
esquivar da força desse argumento com a negação de que Deus mantenha qualquer
relação real com a ordem criada. Aquino admitia que, se Deus entrasse em novas
relações no instante da criação, como a de ser Senhor, então ele seria temporal. Assim, pois,
Aquino foi levado a negar que Deus mantenha quaisquer relações reais com o
mundo e afirmou que, como criaturas, estamos realmente relacionados com Deus,
como seus efeitos, mas Deus não está realmente relacionado conosco como nossa
causa ou Criador. Penso que tal doutrina é claramente um expediente do
desespero. Deus está causalmente relacionado ao universo e parece impossível,
ou incoerente, que poderia haver efeitos reais sem uma causa real. Como
poderíamos estar realmente relacionados com Deus como efeitos de uma causa, mas
Deus não estar relacionado conosco como causa de um efeito? Além disso, Deus
parece estar claramente relacionado conosco, visto que ele nos conhece, ele nos
ama e quer a nossa existência. Parece-me, portanto, que a solução de Aquino
simplesmente não é plausível. São relações reais, segundo qualquer definição
sensível da expressão “relações reais”. Concluo, pois, que temos uma forte
razão para entender que, em virtude da sua relação causal com a criação
temporal, Deus seja temporal.
O segundo argumento que eu gostaria de partilhar
é o argumento baseado no conhecimento de Deus acerca dos fatos temporalmente
dinâmicos [tensed facts]. Para
entender esse argumento, precisamos perceber exatamente a diferença entre
“fatos temporalmente dinâmicos” [tensed
facts] e “fatos temporalmente estáticos” [tenseless facts]. Por exemplo, é um fato temporalmente
estático que a conferência sobre C. S. Lewis, em Cambridge, começa em 21 de
julho de 2002. O fato jamais muda. Foi sempre verdadeiro, será sempre
verdadeiro, é uma verdade temporalmente estática que a conferência sobre C. S.
Lewis se inicia em 21 de julho de 2002. Mas esse fato temporalmente estático
não basta para que eu me disponha a deixar Atlanta, tome um avião em 20 de
julho e voe para Cambridge. Por que não? Bem, porque um fato temporalmente
estático é sempre verdadeiro.
O que preciso saber, além desse fato temporalmente estático, para me dispor a
tomar um avião e voar para Cambridge? O que preciso saber é o fato
temporalmente dinâmico de que hoje é 20 de julho, ou que amanhã é 21 de julho.
Em virtude de saber desse fato temporalmente dinâmico, eu tomo o avião e vou
para Cambridge para a conferência. Portanto, fatos temporalmente dinâmicos são
fatos sobre o relacionamento de certos eventos com o momento presente.
Idiomaticamente, fatos temporalmente dinâmicos podem ser expressos pelos tempos
verbais, como passado, presente e futuro; ou por advérbios como “hoje”, “ontem”
e “amanhã”; ou por locuções prepositivas como “num período de dois dias” ou
“três dias atrás”. Todos esses são meios de expressar fatos temporalmente
dinâmicos.
Agora,
note-se que, em virtude de conhecer fatos temporalmente dinâmicos, eu devo ter
uma posição temporal. Se sei que hoje é 20 de julho, estou posicionado em 20 de
julho. Além disso, em razão de conhecer fatos temporalmente dinâmicos, eu estaria
constantemente mudando. Eu saberia que hoje é 20 de julho. No dia seguinte,
saberia, então, que hoje é 21 de julho e no próximo dia que hoje é 22 de julho.
Assim, qualquer ser que conheça fatos temporalmente dinâmicos está sofrendo
mudanças e, portanto, é temporal. Como ser onisciente, Deus não pode
desconhecer fatos temporalmente dinâmicos. Ele deve conhecer não somente os
fatos temporalmente estáticos sobre o universo, mas deve conhecer também os
fatos temporalmente dinâmicos sobre o mundo. Caso contrário, Deus seria
literalmente ignorante a respeito do que está ocorrendo agora no universo. Ele
não teria a mínima ideia do que está acontecendo no universo porque isso é um
fato temporalmente dinâmico. Ele seria como o diretor cinematográfico que conhece
a película guardada na lata de filme, mas não tem ideia de qual seja o quadro
que está sendo projetado agora na tela do cinema do centro da cidade. Da mesma
maneira, Deus seria ignorante do que está acontecendo agora no universo.
Certamente que isso é incompatível com uma doutrina vigorosa da onisciência
divina. Logo, tenho a convicção de que, se Deus é onisciente, ele tem de
conhecer os fatos temporalmente dinâmicos e, portanto, tem de existir no tempo.
Considero,
portanto, que temos dois bons argumentos favoráveis à temporalidade divina. Que
objeções podem ser levantadas contra Deus existir no tempo? Permitam-me, mais
uma vez, mencionar duas. A primeira objeção à possibilidade de Deus existir no
tempo é que os dois argumentos que acabei de apresentar favoráveis à
temporalidade divina pressupõem uma visão dinâmica do tempo. Como já ouvimos no
transcurso dessa conferência, os filósofos do tempo diferem com respeito a duas
abordagens radicalmente distintas sobre a natureza do tempo. De acordo com a
teoria dinâmica do tempo, o vir a existir temporalmente é objetivo e real. O
passado não existe mais; o futuro não existe ainda e é pura potencialidade; e
as coisas vêm a existir no presente e deixam de existir à medida que passam, de
sorte que o processo temporal é dinâmico e real. Passado, presente e futuro são
características objetivas da realidade. John Polkinghorne e Bob Russell
enunciaram essa visão.
Comparativamente, os teóricos que defendem a
visão estática do tempo consideram que todos os momentos no tempo são
igualmente reais, seja passado, presente ou futuro. O tempo é como se fosse um
contínuo espacial, e os eventos são ordenados nesse contínuo como antes
de e depois
de. Todavia, a distinção entre passado, presente e futuro não passa
de uma ilusão subjetiva da consciência humana. Na realidade, o universo é um
bloco quadrimensional que apenas existe. Nunca vem à existência e nunca deixa
de existir. É realmente coeterno com Deus, e pode-se dizer que é criado apenas
no sentido de depender eternamente de Deus para existir. Tem princípio no mesmo
sentido que a fita métrica tem um início, isto é, há um primeiro centímetro.
Mas o universo não passa a existir; o bloco quadridimensional de espaço-tempo
tão somente existe. De modo semelhante, na teoria estática do tempo não há
mesmo fatos temporalmente dinâmicos. O tempo linguístico serve apenas para
expressar a perspectiva subjetiva de quem o usa. Não há verdade absoluta acerca
do que está acontecendo agora no universo, porque “agora”, bem como “aqui”,
serve meramente para apreender a perspectiva subjetiva de alguém. Cada pessoa
em cada instante no universo espaço-temporal considera seu tempo como “agora” e
outros tempos como “passado” e “futuro”. Mas na realidade objetiva não existe
“agora” no mundo. Tudo existe apenas de modo temporalmente estático. Russell
Stannard enunciou essa visão.
Caso
se adote a visão estática do tempo, negando-se a realidade objetiva da
existência temporal e dos fatos temporalmente dinâmicos, os dois argumentos
favoráveis à temporalidade divina são cortados pela raiz. O argumento baseado
na relação real de Deus com o mundo presumia a realidade objetiva do vir a
existir temporalmente, e o argumento baseado no conhecimento de Deus sobre o
mundo temporal presumia a realidade objetiva dos fatos temporalmente dinâmicos.
Porém, caso a visão estática do tempo esteja certa, nada com o que Deus está
relacionado jamais veio a existir nem ocorreu, e todos os fatos temporalmente
estáticos existem, de sorte que Deus não sofre mudança extrínseca nem intrínseca.
Ele pode ser o Sustentador e Conhecedor imutável e onisciente de todas as
coisas e, por esse motivo, existe atemporalmente. Porque, se o tempo existe
como parte de um bloco quadrimensional, Deus não sofre mudança na sua relação
causal com o mundo. Existindo fora do tempo, ele apenas causa a ocorrência de
todas as coisas no bloco quadrimensional nas suas diversas posições de
espaço-tempo. Todavia, ele é absolutamente imutável nas suas relações causais
com o mundo. Semelhantemente, na visão estática do tempo não existem fatos
temporalmente dinâmicos. Fatos temporalmente dinâmicos são uma ilusão subjetiva
da consciência humana. No bloco de espaço-tempo não existe realmente “agora”.
Não há passado nem futuro. São apenas perspectivas de diferentes pessoas no
bloco, mas nenhuma delas é objetiva nem real. Portanto, se você adota a visão
estática do tempo, os argumentos que apresentei em favor da temporalidade
divina não contam.
Assim,
estou convencido de que a teoria da eternidade divina que se adota permanecerá
ou cairá dependentemente da decisão que for tomada com relação à teoria
dinâmica do tempo versus a teoria estática do tempo. Quem adota a teoria
dinâmica do tempo deverá acreditar na temporalidade divina. Para quem adota a
teoria estática do tempo, então, a visão mais plausível será a atemporalidade
divina.
Agora, na minha palestra desta manhã, não há
tempo para aprofundar-me nessa questão. Isso exigiria toda uma palestra, todo
um seminário. Mas, se interessar a alguém, abordo os argumentos a favor e
contra a teoria estática do tempo em meu livro Time
and Eternity [Tempo e
eternidade]. E, por insignificante que pareça, julgo que os argumentos
favoráveis à teoria dinâmica do tempo são superiores aos argumentos a favor da
teoria estática do tempo. Considero que o tempo é dinâmico, que a teoria
estática do tempo está sujeita a graves objeções filosóficas e, também entendo,
a objeções teológicas, dado que a teoria dinâmica do tempo é compatível tanto
com a nossa percepção quanto com o que os filósofos nos dizem a respeito da
natureza do tempo. Portanto, estou convencido de que o tempo é dinâmico, e, por
isso, posiciono-me do lado da temporalidade divina.
Antes de concluirmos, há, porém, uma segunda
objeção à temporalidade divina com a qual temos de lidar. A questão é: por que
Deus não criou o mundo mais cedo? O filósofo alemão Leibniz apresentou essa
objeção ao filósofo newtoniano Samuel Clarke, na correspondência entre eles. Clarke,
assim como Newton, cria que Deus havia passado um tempo infinito, vazio e
improdutivo até certo momento no qual ele criou o universo. Então, Leibniz
perguntou: “Por que ele não criou o mundo mais cedo?”. Por que razão Deus
passou uma eternidade num período de indolência criativa antes de criar o
mundo, e por que criaria ele o mundo no momento em que o criou, por que não
mais cedo ou mais tarde? Vejam a coisa da seguinte maneira. Segundo essa visão
newtoniana, a qualquer tempo t anterior
ao momento da criação, Deus demorou a criar até um momento posterior t + n. Seja qual for o momento do passado infinito que se
escolha, nesse momento Deus poderia ter criado o mundo, todavia ele preferiu
não criá-lo. Embora desde a eternidade Deus quisesse criar o universo, ele
privou-se deliberadamente de criá-lo nesse momento, adiando-o até algum tempo
mais tarde. Um ser supremamente racional, assim como é Deus, não adiaria a
realização da sua vontade se não fosse por uma boa razão. Mas no tempo infinito
e vazio pode não haver razão para se preferir criar em dado momento e não
noutro, pois no tempo infinito e vazio todos os momentos são iguais. São
indistinguíveis e, portanto, pode não haver razão para se escolher um momento
em vez de outro, e, assim, não há razão para Deus deixar de criar de algum
tempo t até t + n. Portanto, Leibniz argumentava, deve-se dizer que o
tempo começou no momento da criação, que Deus não passou através de um tempo
infinito e vazio até a criação, mas que o tempo começou no exato momento da
criação. Essa é exatamente a visão que Santo Agostinho também adotou ao tratar
do problema.
Temos
agora uma situação extremamente bizarra. Vimos que o tempo precisa ter tido um
início. Deus existe no tempo. Nada obstante, Deus não tem um início. Como é
possível decifrar isso? Como é possível Deus existir no tempo, o tempo ter um
início e, ainda assim, Deus não ter um início. Não parece fazer sentido. Será
que isso nos força a dizer, portanto, que Deus é simplesmente atemporal?
Bem, julgo que não, e quero propor um modelo
para a eternidade divina que, segundo entendo, resolverá esse problema. Vamos
supor que o tempo começa a existir no momento da criação, e, por conveniência,
vamos chamar esse momento de “big bang”. Então,
Deus não existia literalmente antes do big bang, porque existir antes do big bang é
existir numa relação temporal. Portanto, Deus não existiria temporalmente antes
do big bang. De algum modo misterioso, ele existia além do big bang, mas não antes do big
bang. Ora, em tal estado, é evidente que ele teria de existir de
modo imutável, porque se houvesse eventos, se ele sofresse mudança, o tempo não
começaria no big bang. Começaria com aqueles primeiros eventos.
Assim, para existir além do big bang, Deus deve existir imutavelmente. Mas tal
estado de imutabilidade, desprovido de eventos, deve ser, como costumo dizer,
plausivelmente considerado um estado de atemporalidade. Portanto, o modelo que
quero propor é que Deus existe atemporalmente sem a criação e temporalmente
subsequente à criação.
Creio que podemos obter uma analogia física para
isso a partir da noção de singularidade cosmológica inicial. A singularidade
cosmológica em que nosso universo teve início não é, estritamente falando,
parte do espaço e do tempo, e, portanto, não é anterior ao universo; antes, é a
fronteira de espaço e tempo. A singularidade é causalmente
anterior ao nosso
universo, mas não é cronologicamente anterior ao universo. Ela existe na fronteira
de espaço-tempo. Analogamente, quero sugerir que consideremos a eternidade, da
mesma maneira que a singularidade, como a fronteira do tempo. Deus é
causalmente anterior, mas não cronologicamente anterior, ao universo. Seu
estado imutável, atemporal, eterno é a fronteira do tempo; nesse estado, ele
existe sem o universo, e no momento da criação Deus entra no tempo em virtude
da sua relação real com a ordem criada e seu conhecimento de fatos
temporalmente dinâmicos, de sorte que Deus é atemporal sem a criação e temporal
subsequente à criação.
Ora,
essa conclusão extraordinária, penso eu, é merecedora de séria reflexão. Ela
significa que Deus, na criação e também na encarnação, empreendeu um ato de
complacência por nossa causa. Existindo unicamente na plenitude de seus
relacionamentos intratrinitários, Deus não precisava se relacionar com pessoas
temporais. Na sua existência atemporal perfeita não há déficit em seu modo de
existir, não há nenhuma deficiência a ser preenchida. Mas pelo seu amor e graça
ele quis criar um mundo temporal de criaturas finitas, para que pudessem ser
convidadas a partilhar da vida trinitária íntima da Divindade e do amor das
três pessoas da Trindade. Assim, na criação, Deus rebaixa-se para entrar e encarregar-se
do nosso modo temporal de existência a fim de relacionar-se conosco e nos pôr
em relação consigo mesmo. E, é evidente, na encarnação ele se rebaixa ainda
mais para assumir não meramente nosso modo de existência, mas nossa própria
natureza humana.
Entendo
que isso faz totalmente sentido para o relacionamento entre Deus e o tempo.
Deus é atemporal sem a criação e temporal subsequente à criação. Tendo entrado
no tempo, ele não é dependente de sinais de luz de velocidade finita ou de
procedimentos de tempo sincronizado, pois sabe o que é o tempo. Antes,
existindo no tempo absoluto, Deus é, como proclamou Newton, o Senhor Deus de
domínio do seu universo. Nas palavras de São Judas: “ao único Deus, nosso
Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e
soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos”.
Discussão
P. (Hugh Ross): Bill, quando a Bíblia
fala de tempo, não é possível que esteja se restringindo ao tempo cósmico? E,
uma vez que podemos conceber o tempo como propriedades multidirecionais,
multidimensionais e paráveis, as quais o tempo cósmico não possui, não podemos
conceber que a temporalidade seja independente do tempo cósmico, e a
atemporalidade, portanto, poderia simplesmente ser existência além do tempo
cósmico. Será que a Escritura não se refere temporalmente a “antes do início do
tempo”? Essas coisas não são, pelo menos, possibilidades?
R. Sim. Certamente é possível considerar que Deus exista em
algum tipo de dimensão de tempo secundário, que seria uma espécie de hipertempo
no qual nosso tempo ordinário está embutido. Mas não estou convencido, como
você sabe, Hugh, que essa seja uma boa alternativa, uma alternativa plausível.
Penso que seja metafisicamente extravagante postular um hipertempo, um tempo de
segunda dimensão. Não há evidência científica para isso. Nas teorias das cordas
multidimensionais, como você sabe, essas dimensões adicionais são dimensões espaciais,
não dimensões temporais. Todas elas evoluem numa única dimensão de
tempo que começa com o big bang. Portanto, é uma extravagância metafísica
postular um hipertempo.
Em
segundo lugar, não julgo que pressupor uma dimensão de tempo secundário resolva
de fato qualquer coisa, pois todos os problemas dos quais falamos, quanto à
primeira dimensão do tempo, simplesmente voltarão a surgir com respeito à
segunda dimensão do tempo. O hipertempo é temporalmente dinâmico ou
temporalmente estático? E a coisa toda volta a surgir sem cessar. Portanto, não
entendo que isso resolva realmente alguma coisa.
Por
último, meu terceiro ponto seria que considero realmente que a suposição de uma
dimensão de tempo secundário está aberta a certas objeções, isto é, entendo que
só seja possível compreender o hipertempo construindo um tempo unidimensional
no qual vivemos e existimos como um tempo estático. Se o nosso tempo for um
tempo dinâmico, então não pode estar embutido numa dimensão de tempo superior.
Considerá-lo como uma dimensão de tempo superior é tratá-lo como uma dimensão
espacial, na qual seja possível, digamos, estender e acrescentar-lhe largura,
de modo a se obter um plano. Mas, se você tem uma teoria dinâmica do tempo, o
tempo não é alargado espacialmente como uma figura linear. Isso só funcionará
numa teoria estática. E, visto que não considero que a teoria estática seja
correta, por inúmeras razões, não acho, portanto, em última análise, que o
hipertempo seja metafisicamente possível. Logo, por essas razões, eu o
rejeitaria.
P. (Hugh Ross): Bem, e quanto à
possibilidade de um hiper-hipertempo? Noutras palavras, alguma capacidade de
Deus completamente independente de qualquer conceito de tempo que temos, mas
que apesar disso permitiria a Deus --
R. Veja, quando você usa a ideia de extradimensionalidade,
entendo que a está usando de fato como uma metáfora para algo que não é
literalmente uma dimensão de tempo mais elevada. É uma metáfora para dizer que
Deus tem a capacidade de agir em nosso tempo de maneiras extraordinárias, ou
alguma coisa desse tipo. E, certamente, eu admitiria isso, mas não julgo que a metáfora
de embutir dimensões de tempo mais altas seja uma metáfora proveitosa, pois é
demasiadamente ilusória. Se for considerada literalmente, como já disse, acho
que seja extravagante, não soluciona o problema e tem sérias objeções.
P. Obrigado por sua excelente explicação! O conceito da
imutabilidade, da impossibilidade de mudança de Deus é, acho eu, essencial,
caso queiramos manter distância da Teologia do Processo e de outras áreas, nas
quais entendo que poderíamos dar errado. Se Deus é atemporal antes da criação e
temporal depois da criação, você estaria dando a entender alguma mudança na
natureza, na essência ou no caráter de Deus, ou simplesmente na sua relação com
o tempo?
R. Excelente pergunta! Não estou, de modo algum, dando a
entender mudança na natureza de Deus. Lembre-se, falei da sua mudança extrínseca,
mudança nos relacionamentos. Essa não seria uma mudança na sua natureza.
Entendo, de fato, que Deus também muda de maneira intrínseca — por exemplo,
saber que horas são. Ele sabe que agora é t1, agora é t2, agora é t3. Mas julgo que esses tipos de mudanças triviais não
ameaçam jamais o conceito ortodoxo de Deus. O crucial é que Deus não muda nos
seus atributos de onipresença, onipotência, santidade, amor, eternidade, e
todos os demais. De acordo com esse modelo, todos eles seriam preservados como
atributos essenciais de Deus.
P. Você disse no início da sua palestra que os leigos quase
sempre fazem a pergunta: “Por que Deus não poderia ser tanto atemporal quanto
temporal?”. Eu perguntaria isso novamente: por que Deus não poderia ser
atemporalmente existente ou temporal? Entendo que há um elemento de
atemporalidade dentro do tempo. Esse é meu argumento.
R. Você percebeu que o modelo que adotei no final é realmente
essa intuição do leigo? Ou seja, argumentei que Deus é atemporal e temporal. É a intuição do leigo, mas,
a menos que se apresente um modelo, não passa de uma contradição absoluta. É
como afirmar que algo é A e não-A, o que é logicamente incoerente. É
impossível. Mas tentei fornecer um modelo para que não seja mais
autocontraditória. Como qualifico esse modelo? Deus é atemporal sem o universo
e temporal subsequentemente ao princípio do universo. O que fiz, em certo
sentido — e acho que seja muito irônico, pois não planejei fazer isso —, foi terminar
demonstrando a verdade daquilo que o leigo imagina quando diz que Deus é tanto
temporal quanto atemporal. Entendo que isto está certo: ele é atemporal sem a
criação e temporal subsequentemente ao momento da criação.
P. Mas eu lhe diria que algo deve ter se perdido aí, na
transição de ser atemporal para ser temporal, porque, se Deus passa a ser
temporal após ou durante a criação, ele deve não se lembrar mais da
atemporalidade que tinha antes. Não pode se lembrar dela porque não é mais
atemporal.
R. Sim — bem, está certo! Essa é uma teoria muito esquisita,
admito. É um modelo muitíssimo estranho. Mas, quando se lida com temas como
tempo e eternidade, quase tudo o que se propõe é estranho! Portanto, o que esse
modelo exigiria que disséssemos é que a onisciência de Deus no seu estado
atemporal envolve o conhecimento de verdades exclusivamente temporalmente
estáticas, como: “Em t=0, eu crio o
mundo”, “em t=n, liberto os israelitas da escravidão”, “em t=n+m, encarno-me na pessoa de Jesus de Nazaré”, e assim
por diante. No momento da criação, haveria repentinamente um número imensurável
de proposições temporalmente dinâmicas que trocariam seu valor de verdade de
falso para verdadeiro: ou seja, “Eu libertarei os
israelitas”, “Eu me encarnarei”, e assim por diante. Proposições no
passado passarão a ser verdadeiras: “Eu criei o
universo há um minuto”, “Eu fiz isso
ou aquilo”, e assim por diante. Mas não haveria proposições no passado sobre o
estado atemporal antes da existência do mundo, porque ele não está no passado.
P. E quanto às proposições de futuro contingente? Deus é
apanhado de surpresa pelo que fazemos?
R. Não, não acho que seja porque entendo que ele é onisciente.
A doutrina da onisciência diz que, para qualquer proposição ou fato
verdadeiros, Deus conhece essa proposição ou conhece esse fato e ele não crê em
nenhuma proposição falsa. Essa é a definição tradicional de onisciência. Uma
vez que agora há verdades sobre o futuro, Deus, como ser onisciente, tem de
conhecê-las. E isso é o que a Bíblia afirma. O Novo Testamento tem um
vocabulário inteiro de palavras gregas com o prefixo pro-,
como prognosis, que significa literalmente “conhecimento
antecipado”, o qual é atribuído a Deus. Ele prediz (promartureo) o futuro. Ele predestina (proorizo) o futuro. Além disso, o conhecimento que
Deus tem do futuro é exemplificado na profecia, como a predição de Jesus sobre
a traição de Judas e a negação de Pedro, eventos altamente contingentes.
Afirmo, portanto, que Deus não se surpreende pelo que sucede no curso do
desdobramento do tempo, porque ele é onisciente.
P. Onde obtém ele tal presciência, visto que se tornou
temporal?
R. Essa é uma boa pergunta. Há, pelo menos, duas teorias, acho
eu, que podem ser adotadas para fundamentar a presciência divina. Uma seria a
de que Deus simplesmente tem onisciência como um atributo essencial; é um
atributo essencial de Deus acreditar única e exclusivamente em proposições
verdadeiras. Ele não aprende nada porque ele tem exatamente a propriedade
essencial de conhecer toda a verdade, e seria errado imaginar que Deus precise,
de algum modo, de aprender o que ele sabe. O outro modelo é chamado de “conhecimento
médio”, o qual sustenta que Deus sabe o que toda criatura livre faria
livremente em quaisquer circunstâncias em que ele a puser. Em virtude de
conhecer essas verdades e de conhecer o decreto da sua própria vontade para
criar certas circunstâncias e colocar nelas certas criaturas, Deus, então, sabe
tudo o que vai acontecer. Estou convencido de que um desses dois modelos é um
modelo viável para a onisciência divina e o modelo do conhecimento médio é
especialmente útil para explicar a providência de Deus sobre um mundo de
criaturas livres.
2 Publicado em português
com o título Decepcionado com Deus (São Paulo: Mundo Cristão, 1990). [N.
do R.]
3 Publicado em português
com o título A cabana na grande floresta (Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1975). [N. do R.]
4 Laura Ingalls Wilder, Little House in the Big Woods (Nova Iorque: Harper & Row, 1932),
pp.237-238.
* Dr. Willam
Lane Craig é doutor em filosofia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra,
e em teologia pela Universidade de Munique, na Alemanha. Disponível em: http://www.reasonablefaith.org/portuguese/deus-tempo-e-eternidade.
Traduzido por Marcos Vasconcelos.
Revisado por Djair Dias Filho.
Bom este poste!
ResponderExcluir