quinta-feira, 5 de julho de 2012

Dimensões da Pessoa Humana


Ensaio de Antropologia Teológica
 
Introdução

            O homem é o ser mais complexo, e sua singularidade é notável diante de todas as outras criaturas existentes ao seu redor. A ciência se encarrega de estudar a natureza, em buscar categorizar  todos os fatos, porém quando falamos do homem o problema logo se apresenta, uma vez que precisamos de uma definição universalmente válida.
            Assim, as ciências humanas sem dispensar o uso objetivo de instrumentos para mensurar o homem, não pode fazê-lo totalmente, pois tal instrumento “objetivo” é limitado na intenção de compreender a  natureza humana. Daí, ser necessário o subjetivo, a interpretação a analise de componentes que são invisíveis aos olhos, por isso se faz necessário analisar a alma e o espírito do ser humano.
            A antropologia tem como finalidade compreender o ser humano, estudá-lo, analisar seu comportamento, seu relacionamento consigo e com o mundo externo. Tal empreendimento seria por demais dificultoso e desafiador, porém quando falamos de uma antropologia teológica a tarefa se intensifica ainda mais.
            Não bastasse todo o aspecto já mencionado, ainda se acrescenta um outro grau de dificuldade, o de fazer todo esse empreendimento sob uma perspectiva cristã. E o que isso significa? Que toda pesquisa, fundamentação, argumentação e conclusão precisam respeitar os pressupostos cristãos, é reconhecer que para além de toda análise que se possa adquirir por meio da ciência é indispensável conscientizar-se que existe um ponto que somente o Evangelho pode discernir no homem.
            Estudar o homem dessa perspectiva é fundamental para uma compreensão adequada do próprio homem com tal e do mundo a sua volta.
1. Biológica
O ser humano é uma composição complexa, e como tal apresenta uma “tríade” que o constitui. Uma delas é sua biologia, que compreende todo sua estrutura material que nada mais é do que sua forma de se relacionar com o mundo exterior, tal estrutura é chamada corpo, que compõe “tudo” o que é físico.
Dentro de uma perspectiva cristã, temos na afirmação da antropologia teológica[1] que Deus é aquele que formou o corpo do ser humano “Formou o Senhor Deus o homem do pó da terra[2] , com isso podemos afirma que Deus conhece profundamente sua criação, Davi ao relatar esse conhecimento diz: “pois ele conhece a nossa estrutura e se lembra que somos pó[3], dessa forma se concluí que o homem não é apenas uma produção biológica espontânea, mas que sua constituição foi estabelecida pelo Criador.
2.  Cristianismo e Corpo
O Cristianismo valoriza o corpo, pois a não valorização do corpo se torna o não reconhecimento de quem o fez, a implicação desse axioma no aspecto social é que o homem deve buscar cuidar do corpo como gratidão ao Criador, e quando se possui tal cuidado temos todos os benefícios apropriados como: higiene pessoal, trajes adequados e saúde, o que torna a vida do homem melhor lhe trazendo longevidade.
2.1. Corpo e o trabalho
            A sociedade é sem dúvida alguma filha do capitalismo, e como tal prioriza o bem, o consumo, e principalmente o capital. Com isto, seu olhar é sempre de desconfiança para o cristianismo, como se o tal mantivesse um discurso completamente desvinculado do mundo, da realidade e necessidade do trabalho.
            No Antigo Testamento, o fundamento da cultura judaico-cristã contém em seu primeiro livro (Gênesis) algumas referências sobre a questão: “O Senhor Deus tomou o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar” [4], nesse trecho a narrativa informa que Deus cria um ambiente para que o homem pudesse viver e o coloca como responsável pela manutenção, como também responsável por retirar seu próprio sustento dele: “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomando[5][...]”; assim o trabalho é estabelecido como meio normativo para a sobrevivência do homem, e o mesmo deve manter uma relação responsável com a terra.
2.2. Corpo e a morte
            A morte não faz parte do plano original para o homem, Deus ao criar o homem deseja que o mesmo permanece  no jardim eternamente desfrutando de sua presença. O homem foi criado originalmente bom[6], porém com resultado de sua desobediência a ordem do Criador a mesma é resultado da queda, conforme se nota em Gênesis:

E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás. [...] E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela[7]

            O resultado mais trágico que o pecado da desobediência trouxe ao homem foi a morte[8], e está morte não foi simplesmente física, mas também uma morte espiritual que foi transmitida a toda raça humana.
No Novo Testamento Paulo trabalha as implicações dessa morte sobre a raça por meio de Adão: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram[9][...]Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação[10][...], a morte física/espiritual passou a toda raça humana por causa da transgressão de Adão. O corpo passa agora experimentar limitações, doenças, dor, cansaço e morte como símbolo máximo de sua fraqueza.
2.3. Corpo e ressurreição
            Doutrina da ressurreição é de suma importância para o cristianismo, pois como o pecado afetou diretamente o corpo trazendo morte. Por está razão Deus providenciou uma de restaurá-lo e o próprio Jesus por diversas vezes transmitiu esse ensino[11].
            No cristianismo o corpo deve ser cuidado não só no que tange os aspectos físicos temporários como: ginástica, boa alimentação e estética. Sem dúvida são aspectos importantíssimos para o bem estar de qualquer pessoa, porém as Escrituras ensinam que o corpo tem valor na dimensão espiritual, Paulo diz que o corpo é habitação, santuário de Deus[12] .
3. Psíquica

Ponto pacífico em todos os campos das ciências humanas é o reconhecimento que o ser humano possui uma alma. Agora, o que significa dizer que o homem tem uma alma? Qual relevância para sua compreensão?
Vejamos a declaração de Hodge sobre a alma:

A alma , portanto, não é mera série de atos; nem é uma forma da vida de Deus; nem é mera força destituída de substância, mas uma substância real. Uma não-existência é nada, e nada não tem poder nem produz efeitos. Alma do homem é , portanto, uma essência ou entidade ou substância, o sujeito permanente de seus variados estados e exercícios.(HODGE, 2001, p. 515)

A alma constitui a parte imaterial do homem, sua substância. No Gênesis segue o relato da existência da alma: “Formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e sopro-lhe nas narinas o fôlego de vida, e o homem tornou-se alma vivente[13], o texto parece demonstrar que a alma seria o encontro entre o corpo e esse “fôlego de vida”, passando a existir como ente do mundo.
A BPE[14] nos oferece a seguinte explicação sobre o termo alma:

A alma (hb. Nepheesh; gr psyche), frequentemente traduzida por “vida”, pode ser definida, de modo resumido, como os aspectos imateriais da mente, das emoções e da vontade,no ser humano, resultantes da união entre espírito e corpo. A alma, juntamente com o espírito humano, continuará a existir após a morte física da pessoa. A alma está tão ligada à natureza imaterial do ser humano, que às vezes, o termo “alma” é usado como sinônimo de “pessoa” (e.p. Lv 4:2;7:20;Js 20:3).

Podemos dizer que a constituição humana possui duas substâncias, a primeira material que conhecemos como corpo, e a segunda alma que é imaterial e espiritual, são substâncias distintas, porém harmoniosas, o homem jamais poderia existir contendo somente um corpo sem uma alma, como também possuindo uma alma sem o corpo, tanto um quando o outro é indispensável para sua existência.  É na alma (psiquê) que se compõe o caráter social, emocional, moral e religioso de todos os indivíduos.
4. Espiritual
            O espírito é a parte imaterial do homem que estabelece sua relação consigo[15] e principalmente com Deus. A palavra Neo-Testamentária para espírito é pneuma traduzida comumente como vento, isso nos remete a uma ligação com Gênesis que diz que o Senhor soprou nas narinas do homem: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou [16] em seus narizes o fôlego [17]  de vida; e o homem foi feito alma vivente.”, é justamente esse sopro Divino, essa vida que saí do próprio Criador que estabelece o elo com a criatura, que permite que a criatura retorne ao seu Criador.
            É por meio do espírito que a consciência é capaz de se manifestar, a consciência também é parte imaterial do homem, e intrinsecamente ligada ao espírito, somente por meio do espírito é que o ser humano pode ter conhecimento de si (consciência interna) e conhecimento do mundo a sua volta e finalmente de Deus (consciência transcendente)

Conclusão

 


            Neste presente trabalho ficou demonstrado o grau de complexidade do ser humano, e como a ciência da antropologia teológica tem seu desafio lançado na busca de compreensão da natureza essencial do homem.
            Hoje por causa da pluralidade de conhecimento é possível um desvio no entendimento do que é o homem. Tal desvio tem como sua consequência imediata uma solução parcial, senão, enganosa para a sua melhoria.
            Uma observação dessa magnitude só aponta para direção de que qualquer ciência que busque conhecer essa criatura chamada homem, terá como tarefa infindável o dever de sempre olhar para todas as perspectivas, sempre considerar novas objeções, sempre se dar por insatisfeita em sua busca.




Bibliografia


STAMPS, Donald C, Bíblia de Estudo Pentecostal, Rio de Janeiro, ed CPAD, 1995.
HODGE, Charles, Teologia Sistemática, São Paulo, ed Hagnos, 2001.
THIESSEN, Henry Clarence, Palestras em Teologia Sistemática, ed Imprensa Batista Regular, 1987.







[1] Partindo do pressuposto que tal antropologia teológica aceite as Escrituras Sagradas como seu ponto de partida, como objeto científico de pesquisa, bem como sua base fundamental para suas conclusões, não rejeitando de forma alguma toda ciência com tal, mas, quando se faz necessário readequar não as Escrituras, e sim sua forma de interpretá-la.
[2] Gn 2:7;5:2,3:19;18:27;Dt 4:32;Jó 10:9,334;34:15;Sl103:14; Ec 12:7
[3] Sl 103:14;
[4] Gn 2:15
[5] Gn 3:19
[6] Ec 7:29
[7] Gn 2:1617,3:6
[8] Gn 3:19
[9] Rm 5:12
[10] Rm 5:18
[11] Jo 5:28; 6:39,40,44,54, Lc 14:13,14
[12] 2Co 5: 1
[13] Gn 2:7. É necessário admitir que interpretação desse trecho “[...] fôlego de vida, e o homem tornou-se alma vivente” é um tanto complexo, já que “fôlego de vida” e “alma vivente” parece apresentar uma redundância. Disso dois grupos de exegetas surgiram: Os que acreditam que o homem seja corpo/alma (conhecidos como dicotomistas), dessa forma espírito seria apenas um substantivo para a parte imaterial. O segundo grupo atribui ao homem uma tríplice constituição composta por: corpo/alma/espírito. Este acredita que a alma e o espírito não podem ser considerados sinônimos, mesmo estabelecendo a parte imaterial possuem características distintas. Para conhecimento desta questão cf: HODGE, Charles, Teologia Sistemática, São Paulo, Hagnos , 2001, pp.517-22; THIESSEN, Henry Clarence. Palestras em Teologia Sistemática, São Paulo, Imprensa Batista Regular, pp. 156-7.
[14] Bíblia de Estudo Pentecostal, ed CPAD, 1995, p. 979
[15] Podemos dizer que a consciência reside no espírito do homem.
[16] Grifo do nosso.
[17] Grifo do nosso.

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