terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Conhecimento de Deus implica Fatalismo?

* Agradecimentos especiais.

por Jonathan Sarfati

Um anti-teísta (ateu revoltado com Deus) alegou, na página do CMI no Facebook, ter um argumento devastador contra o Deus da Bíblia: que a Onisciência de Deus é incompatível com a livre escolha.


Ø       Deus me criou sabendo que eu iria comer uma rosquinha pela manhã?
Ø       Se sim, então eu não tenho escolha, a não ser comer a rosquinha.
Ø       Se Ele me criou ‘sabendo’ que eu iria comer uma rosquinha, no entanto eu como alguma coisa ao invés de rosquinha, então Deus não é onisciente.
Ø       Elas são mutuamente exclusivas.

Antes de tudo, essa lógica está invertida. Nós sabemos que Napoleão perdeu a batalha de Waterloo, mas nosso conhecimento não causou a derrota de Napoleão. Em vez disso, a derrota de Napoleão causou o nosso conhecimento. Podemos aplicar isto ao mencionado acima: Deus é o Criador do tempo, portanto, Ele está fora do tempo – então, comer a rosquinha retroativamente causou o pré-conhecimento de Deus disso.

Há outra falácia no argumento, envolvendo um desconhecimento da lógica modal. Ela tem a ver com necessidade, possibilidade e impossibilidade:

·         Uma proposição é necessariamente verdadeira se resulta das leis da lógica, da matemática, ou de uma definição, tais como: “um tijolo, se ele existe, ou ele é vermelho, ou não é vermelho ao mesmo tempo e no mesmo local”; “2+2=4”; “todos os pais são do sexo masculino”. Alternativamente, é logicamente impossível para uma proposição necessária ser falsa.

·         Uma proposição impossível não pode ser verdadeira sob qualquer circunstância possível ou contradições lógicas: “está chovendo e não chovendo no mesmo lugar e na mesma hora”; “2+2=5”; “meu pai é uma mulher”. Ou seja, é necessariamente falsa.

·        Uma proposição possível é aquela que pode ser verdadeira. Por exemplo: “está chovendo hoje”; “x+2=4”; “Bob é um pai”; “o céu é azul”. Qualquer um destes pode ser verdade, porém, não necessariamente são verdades somente por não violar alguma lei da lógica. Por exemplo: não é logicamente necessário que o céu seja azul. Essas também são chamadas de questões contingentes. Todas as proposições necessárias são proposições possíveis, mas não vice-versa.

Aplicando a lógica modal ao acima exposto, se comer uma rosquinha é a proposição “p” e “não ter escolha” é equivalente a necessidade lógica, então o argumento é essencialmente:

Premissa 1: Necessariamente, Deus sabe que eu farei p
Premissa 2: Necessariamente, se Deus sabe que eu farei p, então eu farei p
Conclusão: Necessariamente, eu farei p (isto é, não havia nenhuma escolha)

Mas isso é logicamente inválido – a conclusão não resulta das premissas. A conclusão correta é:

“Eu farei p” ao invés de
“Necessariamente, eu farei p”.

A falácia do fatalismo é uma falha de aplicação do operador de necessidade, o qual pode ser deduzido pela inclusão do sentido de “necessariamente”. Quer dizer, uma alteração errônea de:

Necessariamente (se Deus sabe que eu farei p, então, eu farei p), para
Se Deus sabe que eu farei p, então necessariamente (eu farei p).
Compare outro exemplo similar com a mesma forma (baseado em um exemplo do filósofo Norman Swartz):
Premissa 1: Necessariamente, se Jenny tem dois gatos e um cachorro, então ela tem pelo menos um gato.
Premissa 2: Jenny tem dois gatos e um cachorro.
Conclusão: Necessariamente, Jenny tem pelo menos um gato.
Isto ainda é falacioso, porque não havia nenhuma necessidade lógica dela possuir quaisquer gatos; isso é apenas uma questão contingente que passa a ser verdade. A conclusão correta é:
Jenny tem pelo menos um gato.
Ela teve uma escolha nessa questão – exatamente como você comer uma rosquinha.
Tradução: Walson Sales




* Meus agradecimentos: Walson Sales que possibilitou a tradução desse artigo, e ao Samuel Coutinho do blog: http://deusamouomundo.wordpress.com/  pela revisão. Deus vos abençoe sempre.

5 comentários:

  1. "Deus criou o tempo, mas esta fora dele" Interessante

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    1. Falei, boa tarde.
      A relação Deus/tempo é um embrolho tanto para filósofos como para teólogos. O texto na verdade trata a falácia da necessidade. O autor procura demonstrar que o fato de Deus saber todos os eventos que irão acontecer não torna os eventos necessários, mas apenas certos. Essa é um confusão costumeira dos defensores do determinismo teológico, que via de regra o utilizam para negar a existência do livre-arbítrio.
      Então, o que podemos ver é que os defensores do determinismo teológico erram nas duas categorias, ou seja, filosófica e teologicamente.

      Obrigado pela visita.

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  2. Se Deus é distinto do Universo - o Universo é uma criação de Deus - Gn 1.1 (não-panteísmo).

    O Universo está dentro do tempo (movimento).

    Logo, Deus não está a mercê deste Universo-tempo-movimento.

    Nesse sentido Deus está fora do tempo, ou não sofre as influências deste. Isso não quer dizer que Deus está impassivo ao Universo-tempo-movimento!

    Abraços
    Orlando

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  3. Há um problema neste texto. Existem duas afirmações contraditórias:
    "Alternativamente, é logicamente impossível para uma proposição necessária ser falsa" e "Ou seja, é necessariamente falsa". Uma frase como "chove ou não chove" é necessariamente verdadeira (tautologia) e uma frase "chove e não chove" é necessarimente falsa (contradição). Portanto, existem frases necessariamente verdadeiras e necessariamente falsas. Metafisicamente, as necessariamente verdadeiras existem em todos os mundos possíveis e as frases que são necessariamente falsas sua referência é vazia em todos os mundos possíveis. Podemos evitar o erro reescrevendo a primeira frase "Alternativamente, é logicamente impossível para uma proposição necessáriamente verdadeira ser falsa".

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  4. Amigo Anônimo, Graça e Paz.
    Na verdade não há contradição no trecho por você destacado se considerado o contexto " Uma proposição é necessariamente verdadeira se [...]", mas você tem razão quando afirma que se reescrita para a forma: " Necessariamente verdadeira" eliminaria a aparente contradição. Porém, como o texto original não está redigido da forma [ correta ] como você propôs, eu manterei o texto como está, mas não sem agradecer pela relevante observação.

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