segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A liberdade como elemento motriz na teoria do Esclarecimento Kantiano

 Em 1784 Kant publicou seu artigo “O que é Esclarecimento?”, onde argumenta sobre a condição atual do gênero humano como não esclarecido e propõe um Aufklãrung (esclarecimento), mas para analisarmos o que significa o aufklãrung é necessário compreendermos o que necessariamente tal expressão tem a nos dizer. Este artigo tem como objetivo esclarecer o conceito de Aufklãrung (Esclarecimento) de Kant, e demonstrar como a liberdade é indispensável para que tal processo seja viabilizado.
No texto Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos, há uma definição extremamente precisa, que inicialmente utilizaremos nesse artigo para a compreensão do termo:

Kant, como se sabe, define Aufklãrung [...] como o processo de emancipação intelectual resultando, de um lado, da superação da ignorância e da preguiça de pensar por conta própria e, de outro, da crítica das prevenções inculcadas nos intelectualmente menores por seus maiores (superiores hierárquicos, padres, governantes, etc.).”[1]


Ora Kant acreditava que era dever de todo ser humano buscar o esclarecimento, por meio do  rompimento com a menor idade. A menor idade segundo ele era a o estado onde o indivíduo não tinha capacidade de pensar por si mesmo, sendo sempre conduzido por outrem, tal fato não se devia teoricamente a uma impossibilidade intelectual como se houvesse pessoas capazes de atingir o esclarecimento e outras não, mas do fato de que por comodidade, preguiça, a grande maioria sentia-se confortável pela “facilidade” de não pensar, de esperar que outros lhe dissessem o que fazer.
Kant destaca dois adjetivos para tal processo de não esclarecimento:


 “A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no entanto de bom grado menores durante toda vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que outros se constituam em tutores deles[2]



Não somente isso, mas também que tal estado é tão geral e prolongado que existe certo grau de dificuldade de atingir o esclarecimento, pois o processo se fixou na massa a tal ponto que gera uma adaptação como se a menoridade[3] fosse um estado de “espírito”, de “natureza”.
            Outro argumento de Kant que aparece nesse progresso para o esclarecimento é a liberdade. Para ele são justamente as fórmulas e preceitos, quer seja da política, religião ou governo é que produz essa alienação, esse cabresto que impede o ser humano de pensar com clareza, impedindo-o de por meio da liberdade e autonomia da razão atingir a “maioridade”.
Kant distingue a liberdade em dois aspectos: o primeiro é o de uso privado que deve estar sempre em respeito com as instituições, um professor no uso privado de sua razão fala em nome da escola que trabalha, segue os padrões de pensamento estabelecidos por sua instituição de ensino, tem uma diretriz a seguir, fala a um público restrito (aos alunos) e por isso não pode questioná-la. A segunda é a de uso público onde tem liberdade para pensar, indagar, questionar, apontar acertos e erros, somente através dela se pode falar por si mesmo[4].
Mesmo sem considerar o uso privado da razão como um empecilho para o esclarecimento é no uso público que Kant afirmar estar o instrumento para tal Aufklãrung (esclarecimento). Na religião a privação do esclarecimento vem por meio do dogmatismo doutrinário, nele o homem é impedido de pensar livremente devido a certo “constrangimento” institucional, ainda que perceba que alguns itens de seu credo sejam incorretos, o comprometimento institucional o faz confessá-los.
No aspecto político a falta de liberdade e com isso logicamente o não esclarecimento se dá por um Estado dissimulado, que finge representar o povo quando na verdade está interessado em seu próprio bem, Kant nos remete ao exemplo do povo britânico que mesmo afirmando possuir uma representatividade republicana, agem de fato como monarcas absolutistas se utilizando dos representantes do povo.
Kant afirma que cada sujeito é responsável por seu esclarecimento, que é necessário um “esforço” para se atingir a autonomia da razão, e este “progresso” traz a consciência no individuo de existência histórica, que já não mais está ligado a cumprimentos de deveres e leis cegas, mas a um senso de dever moral em tudo que realiza, pois está ligado ao presente e dessa forma o ser humano não é mero espectador, mas participante e construtor de sua própria realidade.
Focault faz uma análise pertinente sobre o aufklãrung como reflexão filosófica do presente:

“A Aufklãrung é uma época, uma época que formula ela mesma seu lema, seu preceito e que diz o que se tem de fazer, tanto em relação à história geral do pensamento, quanto em relação a seu presente e às formas de conhecimento, de saber, de ignorância e de ilusão nas quais ela sabe reconhecer sua situação histórica”[5]
  

Conclusão

Percebemos o quanto o conceito de Esclarecimento é vital para a filosofia-ético-moral de Kant, sem ela a humanidade estará sempre presa na menoridade, sempre conduzida, encabrestada, alienada e cega.
A liberdade de uso da razão é primordial para o progresso (Aufklãrung) de uma sociedade, nele Kant deslumbrou a certeza que o gênero humano caminharia rumo ao melhor. Se perguntássemos a ele se os homens são esclarecidos sua resposta seria: “não, vivemos em uma época de esclarecimento (Aufklãrung)”. [6]
A reflexão kantiana é tão atual quando em seu tempo, refletindo esse tema sobre a sociedade brasileira a conclusão é dramática: continuamos em uma situação de total não-esclarecimento. O texto de Kant serve como guia para que saiamos da menoridade (ignorância), preguiça de pensar e comodismo, para um estado onde todos possamos participar da construção da história.


  



Bibliografia


ADORNO. Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro. Zahar. 2006.
KANT, Immanuel. Textos Seletos. Petrópolis, Ed Vozes, 1985
FOCAUT, Michel. O que é o Iluminismo. Disponível em: < http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/iluminismo.pdf > p. 3. Acessado em 2008.
KANT, Imanuel, Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento? Disponível em: < http://www.ensinarfilosofia.com.br/__pdfs/e_livors/47.pdf  > p. 1. Acessado em 2008.
KANT, Imanuel, Conflitos das Faculdades. Disponível em: < http://lusofia.net/textos/kant_immanuel_conflito_das_faculdades.pdf. >  Acessado em 2008.








[1] ADORNO. Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro. Zahar. 2006. p.7.

[2] KANT, Imanuel, Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento? Disponível em: < http://www.ensinarfilosofia.com.br/__pdfs/e_livors/47.pdf  > p. 1. Acessado em 2008.
[3] Para Kant o não rompimento com a menoridade é o mesmo que dizer que o indivíduo como tal não iniciou o processo de esclarecimento; assim rompê-lo é começar esclarecer-se.
[4] Nesse ponto Kant “parece elitizar” o uso da razão publica ao afirmar que: “Entendo, contudo sob o nome de uso público de sua razão aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado” Op.Cit. p. 3.
[5] FOCAUT, Michel. O que é o Iluminismo. Disponível em: < http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/iluminismo.pdf > p. 3. Acessado em 2008.
[6] KANT, Immanuel. Textos Seletos. Petrópolis, Ed Vozes, 1985. p.112.

Um comentário:

  1. E aí velho! Quando pretende continuar sua história no arminianismo?

    Tô passando pra avisar que transferi o Carpinteiro do Universo para o Wordpress. Agora vai ficar um pouco mais limpo e fácil de gerenciar a bagunça, hehe!

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