A
cognoscibilidade da justiça de Deus está intimamente ligada à visão de Armínio da
Escritura, o que intimamente está correlacionada com o seu intelectualismo (cf.
mais adiante). A resposta de Armínio aos dez axiomas (axiomata) de Perkins em seu “Exame do planfleto do Dr. Perkins” (Examen Perkinsiani) claramente ilustra
isso. Ele nega que estes axiomas sejam geralmente aceitos e que podem ser
atribuídos ao estado obscurecido da mente como resultado do pecado, e prossegue
sua critica de modo enérgico. Dois desses assim chamados axiomas o levam ao
desenvolvimento de sua visão da justiça de Deus. Já em conexão com o primeiro
axioma Armínio enfatiza que o princípio de que todas as ações de Deus são
justas não nos permite atribuir algo a ele que possa ser injusto de acordo com
os padrões humanos.
[83] O quinto axioma trata dos julgamentos de Deus, que da mesma forma certamente são justos. Entretanto, Armínio adverte que não podemos atribuir qualquer coisa aos julgamentos de Deus que não seja encontrado nas Escrituras, ou que seja incompatível com a sua justiça. [84] Que a preocupação constante de Armínio aqui é com a relação de Deus com o pecado fica claro das observações que ele faz sobre a maioria dos outros axiomas, os quais tratam tais questões como a presciência de Deus da queda no pecado como ocasião (occasio) para o decreto de enviar Cristo ao mundo, permissão (permissio), concurso (concursus), e as ações de Deus de acordo com o modo (modus) do livre-arbítrio. [85]
[83] O quinto axioma trata dos julgamentos de Deus, que da mesma forma certamente são justos. Entretanto, Armínio adverte que não podemos atribuir qualquer coisa aos julgamentos de Deus que não seja encontrado nas Escrituras, ou que seja incompatível com a sua justiça. [84] Que a preocupação constante de Armínio aqui é com a relação de Deus com o pecado fica claro das observações que ele faz sobre a maioria dos outros axiomas, os quais tratam tais questões como a presciência de Deus da queda no pecado como ocasião (occasio) para o decreto de enviar Cristo ao mundo, permissão (permissio), concurso (concursus), e as ações de Deus de acordo com o modo (modus) do livre-arbítrio. [85]
Os
decretos de Deus não podem conflitar com a sua justiça como ela é revelada nas
Escrituras. Os decretos de Deus não se tornam irrepreensíveis meramente quando
os chamamos de justos. Antes, devemos ser capazes de mostrar que um
decreto que atribuímos a Deus realmente é seu. Se esse é realmente o caso, sua
justiça é inquestionável. [86]
A
visão de Armínio das Escrituras é de grande importância a este respeito. Isso é claro de várias passagens onde ele
identifica a Escritura como o padrão pelo qual tudo que pode e deve ser dito
sobre a justiça de Deus precisa ser medido. Para Armínio, uma das
características básicas da teologia é que ela é adaptada aos limites da
compreensão humana. Isso implica que devemos nos voltar para a Bíblia, para a
revelação, [87] em busca de conhecimento de Deus, e que esta revelação é
adaptada à compreensão humana. [88] A própria teologia se baseia nas
Escrituras, e ambas se destinam a ser compreendidas pela limitada capacidade do
intelecto humano, e são assim adaptadas a ele. Isto implica, por exemplo, que
“verdades eternas” como as da lógica humana podem ser aplicadas a nossa
reflexão sobre a revelação. Além disso, há completo acordo e harmonia até nos
mínimos detalhes (in minutissimis) das doutrinas das Escrituras. [89] Se
vier a parecer que a Escritura contém contradições, estas contradições podem
simplesmente ser resolvidas com uma exegese correta. E não são apenas todos os
elementos de doutrina que estão de acordo, mas eles estão em harmonia com toda
verdade universal contida na totalidade da filosofia. Não há nada na filosofia
que não possa corresponder com o ensino bíblico. Se algo parece ser um erro,
isso pode ser resolvido por uma filosofia verdadeira e a reta razão (recta
ratio). [90] Se algo conflita com a Escritura ou com a natureza e for
incompreensível, deve necessariamente ser falso. [91]
A
substância e conteúdo das Escrituras revelam sua divindade, pois as Escrituras
descrevem Deus e Cristo, suas naturezas, e o modo como eles têm tratado com a
humanidade. Além disso, as Escrituras prescrevem os deveres das pessoas para
com seus divinos Benfeitores. O modo no qual (quomodo) a Escritura fala
do tratamento de Deus com a humanidade é que ele descreve a natureza de Deus de
tal maneira que nada estranho a ele (extraneum) ou que não esteja de
acordo com ele(conveniens) é atribuído a ele. [92]
NOTAS
BOER, William
den, God’s Twofold Love: The Theology of
Jacob Arminius (1559-1609), Ed. Vandenhoeck & Ruprecht, 2010, pgs.
72-74.
N
do T: Os significados das abreviações como seguirão nas notas são essas: EP:
Examen modestum libelli, quem D. Gulielmus Perkinsus aprime doctus theologus
edidit ante aliquot annos de praedistinationis modo et ordine, itemque de
amplitudine gratie divinae (em: Arminius, Opera
theologica); EGT: Arminius, Examen thesium D. Francisci Gomari de
Praedestinatione (1645); A31A: Apoligia
31 Articuli (em Arminius, Opera
theologica); PuD: Disputationes Publicae (em Arminius, Opera theologica); OR: Oratio (em Arminius, Opera theologica).
83
EP 635 (III267). Cf. A31A 176-177 (II 51-52): “sed videant fratres mei ne ipsi
faciant iniuriam iustitiae divinae, illi tribuendo quod ipsa respuit”. Veja
também ETG 107-108 (III 616): “Quis ita erit absurdus ET infulsus, qui ignoret
Deum, cujus voluntas nunquam est injusta, facere posse jure de suo quidquid
voluerit? At vero sub isto praetextu on licet nobis qudvis ex cérebro nostro
confingere, et hoc ipsum juri et voluntati Dei subjicere. Multa enim confingere
nos possumus secundum vanitatem mentis nostrae, quae Deus de suis creaturis nec
facere velit, nec facere possit, nec valle possit, nec posse velit; quale est
immeritum reprobare ad mortem aeternam.”
84
EP 636 (III 270).
85
EP 637-638 (III 272-273).
86
EP 700 (III 368): “Sed videndum na et quo modo Deus aliquid decernat. Fieri
enim nequit ut ipius decreta cum iustitia ipsius nobis in Scripturis patefacta
pugnent: quare sciendum est non sufficere ad culpam a decreto quod nos Deo
ascribimus, auferendam, si addemus decrevisse sed iuste: non enim vocis istius
additio iustum facit decretum, sed commonstrandum id quod Deo tribuimus
decretum, reverá ipsi convenire, et Tum de iustitia nulla erit quaestio”.
87
Arminius aborda um argumento de dúvida, e aponta para a inadequação de nosso
limitado entendimento para determinar a graça e a justiça de Deus. A Palavra
nos faz sábios. “Nam de iustitiae et misericordie divinae rationibus, non ex
modulo ingenii aut adfectus nostri est statuendum, sed Deo istarum suarum
proprietatum et libera administratio, et iusta dfencio reliquenda.” [...]
“Nobis ex verbo ipsius sapiendum est.” OR 38 (I 342).
88
Cf. Verklaring, 122 (I 695), onde
Arminius diz que Deus e a essência divina não diferem essencialmente, mas que
ainda assim nem tudo que pode ser declarado de Deus pode ser declarado da
essência divina, “om datse onderscheyden zijn na onse begrijp, na het welcke
alle manieren van spreken moeten gericht zijn, alsose daerom gebryckt worden,
omdat dat wy daer deur yests verstaen zouden.” Cf. PuD IX (II 163).
89 OR 62 (I 385).
90
OR 62 (I386).
91
ETG 45 (III 563): “Iam vero quod decretum praedistiantionis, prius fit ordine
quam decretum creationis, probandum esset authori, quod facere non potest, quia
Scripturis est contrarium, rerum naturae contraveniens, et incomprehensibile,
itaque necessário falsum.”
92
OR 61 (I 383): “At quomodo in istis rebus tractandis versatur? Naturam Dei ita
explicat, ut nihil illi tribuat extraneum, nihil non tribuat illi conveniens”.
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